Crónica de Eugénio Ruivo — A polícia de choque invade a cidade universitária

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Crónica de Eugénio Ruivo

A polícia de choque invade a cidade universitária

 

Foi em 6 de Abril de 1962 quando o Ângelo, juntamente com um grupo de rapazes dos 9 aos 11 anos, resolvem ir “jogar futebol” para as proximidades da Aula-Magna da Reitoria da Universidade Clássica.

Vivia perto da linha dos comboios em Entrecampos e, era habitual durante as tardes ir brincar para o Campo Grande.

Sabia que era proibido jogar no jardim, mas com os seus amigos decidiram ignorar essa proibição (não tínhamos outro espaço tão bom, comenta), porque a alternativa era jogar na rua, e assim levaram a “bola de trapos” e continuar o trajeto.

De repente grita o João para o grupo:

— Olhem! Lá para o fundo da Universidade! Vejam!

O Alexandre que ficara para trás, pergunta — O que é que se passa?

— Estão a ver as carrinhas da polícia? — gritei e disse — estão a ver os estudantes a correr?

— Sim — grita o Eduardo esbaforido, exclamando — vejam também os cães que os policias levam!

De repente viram muitos estudantes aos gritos a serem presos, arrastados e levados para dentro das carrinhas da polícia de choque da PSP.


Parecia um cenário de Guerra!

O grupo parou, afastou-se e fugiram dali para Entrecampos.

Passado algum tempo, incrédulos, olharam uns para os outros comentando o que viram, resolvendo irem para casa, pensando naquela ação repressiva da polícia.

À noite, depois do jantar, o Ângelo aproxima-se do seu pai, e conta-lhe aquele episódio. O pai, imediatamente, faz um gesto com o dedo indicador sobre a boca, dizendo para não comentar o assunto com ninguém sobre o que vira.

— Porquê pai, pergunta ele?

Filho, temos de estar calados senão podemos meter-nos em sarilhos, o melhor que fazemos é ignorar o assunto, (embora estivesse de acordo com a luta dos estudantes), e mais não disse.

Ficou intrigado com as suas últimas palavras.

No dia seguinte, o assunto vem de novo à baila no grupo e com excepção do Ângelo todos os outros procuram manter o silêncio e ignorar o que tinham visto. O Ângelo torna a insistir sobre o assunto, procurando obter as respostas que não encontrara em casa, mas algumas palavras do seu pai deixaram-no com interrogações, sobre aquele acto policial. Tenta ouvir as notícias, mas nem uma palavra sobre o que vira.

Só passados alguns anos, já como trabalhador/estudante e integrado no movimento associativo estudantil, (sabe pelos colegas mais velhos), que aquele acontecimento teria estado ligado ao protesto estudantil, contra a proibição das comemorações do Dia do Estudante em 24 de Março de 1962. Movimento que terá mobilizado milhares de estudantes da Academia de Lisboa destacando-se os dirigentes estudantis como Eurico de Figueiredo, Jorge Sampaio e José Bernardino.

 

Eugénio Ruivo 29/01/2024

 

Nota da redação: no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de abril, o Jornal de Mafra pediu a Eugénio Ruivo, um ex-preso político residente no concelho de Mafra, que nos contasse como se vivia em Portugal no período da ditadura. Serão 12 crónicas em 12 meses, que tendo em conta a atuais guerras na Europa e no Médio Oriente, a situação política em França e na Argentina e as próximas eleições nos Estados Unidos, poderão ajudar-nos a lançar um olhar para trás, olhando para a frente.

 


Eugénio Ruivo
Nasceu em Lisboa em 1953. Reside no concelho de Mafra e fez o Mestrado em Educação Física e Desporto no Agrupamento de Escolas Professor Armando Lucena. Mantém atividade política desde 1968, tendo passado pela CDE (comissão Democrática Eleitoral), pelo MAESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa) e participado no 3.º Congresso da Oposição Democrática em Aveiro. Em 1970 adere ao Partido Comunista Português. Em janeiro de 1971 é preso pela PIDE/DGS, voltando a ser detido em março e em novembro de 1971, sendo então enviado para o Forte de Caxias. Novamente detido em 1973 e finalmente, a 6 de abril de 1974 é libertado a 27 de abril, com os restantes presos políticos, pelo Movimento das Forças Armadas.
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One Thought to “Crónica de Eugénio Ruivo — A polícia de choque invade a cidade universitária”

  1. Luís Farinha

    O silêncio.
    O silêncio é aqui a palavra chave, como já era naquela época. O povo, sujeito à opressão/repressão do Estado policial fascista aprendeu a silenciar. Um dia Roland Weyl, um dos subscritores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, visitou-me no Museu do Aljube. Tinha, nessa altura, quase 100 anos. Mas subiu aquelas escadas com um andar tão desenvolto como o meu. Em certa altura diz.me, para meu espanto: “Sabes, Luís, quando eu vim cá nos anos 60 (integrado na Associação Internacional dos Juristas Democratas) para fazer um inquérito à situação prisional dos presos políticos, houve uma coisa que me impressionou. Na rua, não se percebia nada do que se passava. As pessoas circulavam, com ar triste, mas nada de protestos. Reinava o silêncio. Eu só pude perceber a opressão do regime quando entrei nas cadeias políticas”. Disse isto Roland Weyl, um homem sábio. O regime fascista silenciara o país, que só durante os poucos anos da I República pôde experimentar um pouco de liberdade. Nos anos 60, os estudantes foram um dos primeiros grupos sociais a reagir. Como já tinham sido os operários durante a II Guerra. Ou os republicanos que reagiram com dezenas de revoltas contra a Ditadura no seu início. Mas que lhes fez o Ditador, com o apoio do Exército e das polícias: prendeu-os, torturou-os, deportou-os para o Império, roubou-lhes o sustento e o emprego, empobreceu-os. Reinava o silêncio das tumbas. Luís Farinha

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